REENCONTRO

Luizza Milczanowski
4 min readSep 8, 2023

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Fiquei pronta cedo demais. Pelos meus cálculos seu avião chegaria por volta de meio dia e vinte. São trinta ou quarenta minutos do metrô até o aeroporto. Talvez eu devesse comer alguma coisa, mas não conseguia. A ansiedade embrulhava meu estômago e me fazia andar de um lado para o outro dentro do meu quarto minúsculo. As malas já estavam prontas para serem buscadas mais tarde. Porque, quando você chegasse, tudo iria mudar. Ia deixar esse apartamento, que existia sem você, para ir para outro, que seria desde o início também seu. Tantos meses. Meses que eu vivia nessa cidade que você nunca esteve. A dolorosa ausência do início se acalmando e se moldando à pele. O corpo se acostumou com aquela rotina sem você, com aquela vida em que você não existia. Era um mundo que não pertencia, de nenhuma forma, a você. Nos primeiros meses, aquela dúvida: você vem ou não vem? Toda aquela discussão de que não sabia, de que isso e aquilo. No início, queria tanto que você viesse. Aquela ausência se fazia funda no travesseiro à noite. Como sentia falta de dormir acompanhada, de ter alguém para fazer o café, para sair sempre juntos. Mas a solidão foi se moldando em mim também. Sem você, eu tive mais oportunidades para o risco, para me fazer experenciar outros caminhos, conhecer gente que eu não conheceria. Sua ausência era um desconforto e uma liberdade novas que começaram a me agradar. Em cinco meses, criei toda uma vida em que você não estava, em que você — eu temia — não se encaixava. E depois, quando não sabia mais se queria te ver, quando não sabia mais como seria te ver, você decide vir. O medo. O corpo já estava tão acostumado a não ser seu, a não estar contigo. Mais, o corpo nunca tinha presenciado seu corpo naquela cidade. Aquela cidade era virgem de você. Aquela cidade não sabia o que era ter nós dois. Aquela cidade era só minha, uma vida-rotina-trabalho-amigos só meus, que não te pertenciam, que nunca tinham conhecido seu nome, seus lábios, suas sobrancelhas e os cílios e olhos amendoados. O medo daquele encontro desestabilizava as pernas. No metrô, comprei já seu bilhete e sua passagem, já que você não os teria naquela cidade nunca vivida. O vagão deslizava sobre os trilhos feito um barco que balança. A cabeça rodopiava com os trilhos que corriam no norte do país. Com rapidez se afastava do centro e a paisagem se tornava mais bucólica. O concreto dando passagem para a relva verde apesar do inverno. As casinhas tortas e suas hortas tortas. Tentei ler um livro, mas era impossível se concentrar nas páginas que balançavam com a dança do caminho. Muitas pessoas com suas malas entre as pernas e eu sozinha, sem uma mala para acalentar nos braços, sem um caminho que não fosse volta. Como seria te ver, afinal? Seríamos dois estranhos? Sentia que você não pertencia àquela paisagem, que meus olhos não se acostumariam aos seus olhos que perceberiam que eu não era mais a mesma. Eu tinha mudado. Era agora outra pessoa, diferente da de meses atrás. Você talvez também fosse outro, já que esse ser com outra pessoa diz respeito ao que os dois são juntos. Última parada, aeroporto. A chuva fina começava a despontar no céu. Cheguei ao salão de desembarque e comecei a procurar o número do seu voo, verificando uma, duas vezes. Lá estava. Já tinha pousado, adiantando-se por alguns minutos ao encontro. Mas tem todo aquele tempo de alfândega e malas, eu me disse. Havia ainda um tempo de espera. Olhei de um lado para o outro para verificar se você não estava por ali. Avisei que tinha chegado, mas seu celular ainda não captava sinal e não entregou minha mensagem. Agora só me restava esperar ao lado da ansiedade que crescia e vibrava como uma aranha gorda que coloca suas patinhas na garganta, nos órgãos, alojando-se no espaço entre o pulmão e o coração, nas costelas. Não tinha nem ao menos me arrumado, nem ao menos colocado uma roupa decente. Parecia bobo ter de se preocupar em estar bonita. Todos pareciam sair, menos ele. Um homem abraçou a família. Uma senhora encontrou sua filha. Uma criança corria de um lado para o outro, distraindo-se daquela espera. Olhei para trás e vi um conhecido, mas preferi fingir que não o havia percebido e torci para que ele não me percebesse. Lá estava, o cabelo mais comprido e uma jaqueta que nunca vi, mas os mesmos óculos, o mesmo rosto. Nossos sorrisos tímidos, estrangeiros. Um abraço lento, em meio a tantos tecidos. Um beijo fugidio da memória.

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